domingo, 17 de abril de 2011

A NOVA (DES)ORDEM MUNDIAL.

A NOVA ORDEM MUNDIAL
JOSÉ WILLIAM VESENTINI

O que é uma ordem [geopolítica] mundial? Existe atualmente uma nova ordem ou, como sugerem alguns, uma desordem? Quais são os traços marcantes nesta nova (des)ordem internacional?
Esse tema é clássico na geografia política, na geopolítica, na ciência política e nos estudos de relações internacionais. Um dos mais importantes (pelo número de citações que recebeu e ainda recebe) teóricos a abordar esse tema foi o geógrafo e geopolítico inglês Halford J. MacKinder, que produziu várias obras sobre o assunto no final do século XIX e no início do século XX. A idéia de uma ordem mundial pressupõe logicamente um espaço mundial unificado, algo que só ocorreu a partir da expansão marítimo-comercial européia (e capitalista) dos séculos XV e XVI. Daí os autores clássicos, em especial aqueles do século XIX, terem cunhado a expressão "grande potência" ou "potência mundial", indissociavelmente ligada à idéia de ordem mundial. Esta normalmente é vista como uma situação de equilíbrio (sempre instável ou provisório) de forças entre os Estados. (Afinal é o Estado quem atua nas relações internacionais e executa tanto a diplomacia quanto a guerra).
E como esses atores privilegiados no cenário global, os Estados, são equivalentes apenas na teoria -- pois há alguns fraquíssimos, em termos de economia, de população e de poderio militar, e alguns poucos outros extremamente fortes --, o conceito de potências (médias ou regionais e principalmente grandes ou mundiais) é essencial na medida em que expressa algo que ajuda a definir ou a estabilizar a (des)ordem mundial. Como assinalaram Norberto BOBBIO e Outros (Dicionário de Política, editora Universidade de Brasília, 1986, pp.1089-1098), cada Estado possui a sua soberania ou poder supremo no interior de seu território, não estando portanto submetido a nenhuma outra autoridade supraestatal, o que em tese redundaria numa espécie de "anarquia internacional". Mas a existência das grandes potências e a própria hierarquia entre os Estados introduz um elemento estabilizador, uma "ordem" afinal, nessa situação em que não há um poder global ou universal, isto é, acima das soberanias estatais.
É exatamente essa hierarquia que vai dos "grandes Estados" -- a(s) grande(s) potência(s) -- até os "pequenos", esse sistema de países onde na prática há o exercício do poder pela diplomacia (ou, no caso extremo, pela força militar) e pelas relações cotidianas (comerciais, financeiras, culturais...), o que se convencionou denominar ordem mundial. Por esse motivo, via de regra se define uma ordem mundial pela presença de uma ou mais grandes potências mundiais: ordem monopolar, bipolar, tripolar, pentapolar, multipolar etc. Como podemos perceber, não se avança muito quando se nega a idéia de uma (nova) ordem e se enfatiza o termo desordem, pois toda ordem mundial é instável e plena de conflitos e de guerras. Estas normalmente, salvo raras exceções, são explicáveis pela lógica que preside a ordem mundial e, portanto, não a denegam. Podemos dizer, assim, que o conceito de ordem mundial não é positivista (no sentido de ordem = ausência de contestações e de conflitos) e sim, na falta de um conceito melhor, dialético (no sentido de ordem = algo sempre instável e na qual as disparidades, as tensões e os conflitos são "normais" ou inerentes).
A atual ordem internacional, nascida com a ruína da bipolaridade -- que foi o mundo da guerra fria e das duas superpotências, que existiu de 1945 até 1989-91--, ainda suscita inúmeras controvérsias e costuma ser definida ora como multipolar (por alguns, provavelmente a maioria dos especialistas), ora como monopolar (por outros) ou ainda como uni-multipolar (por Huntington). Aqueles que advogam a mono ou unipolaridade argumentam que existe uma única superpotência militar, os Estados Unidos, e que a sua hegemonia planetária é incontestável após o final da União Soviética. E aqueles que defendem a idéia de uma multipolaridade não enfatizam tanto o poderio militar e sim o econômico, que consideram como o mais importante nos dias atuais. Eles sustentam que a União Européia já é uma potência econômica tão ou até mais importante que os EUA -- e continua se expandir -- e tanto o Japão (que logo deverá superar a sua crise) quanto a China (a economia que mais cresce no mundo desde os anos 1990) também são economias importantíssimas a nível planetário. Além disso, raciocinam, a Rússia ainda é uma superpotência militar, apesar de sua economia fragilizada; a China vem modernizando rapidamente o seu poderio militar; e as forças armadas da Europa, em especial as da Alemanha, França, Itália e Reino Unido, tendem a se unificar com o desenrolar da integração continental.
Até mesmo os momentos de crise (Guerra do Golfo, em 1991, conflitos na Bósnia e no Kosovo, em 1993 e 1999, a luta contra o terrorismo, em 2001, e a ocupação do Iraque, em 2003) são vistos sob diferentes perpectivas por ambos os lados. Os que insistem na monopolaridade pensam que essas crises exemplificam a hegemonia absoluta e sem concorrentes dos Estados Unidos, enquando que os que advogam a multipolaridade explicam que essa superpotência em todos esses momentos críticos necessitou do imprescindível apoio da Europa, em primeiro lugar, e até mesmo da ONU, além de ter feito inúmeras concessões à Rússia e à China em troca do seu suporte direto ou indireto nesses bombardeios contra o Iraque, contra a Sérvia e contra o Afeganistão.
Mas, independentemente do fato de ser uni ou multipolar -- ou talvez uni-multipolar, uma fórmula conciliatória que admite uma monopolaridade militar (mesmo que provisória) e uma multipolaridade econômica --, a nova ordem mundial possui outros importantes traços característicos: o avançar da Terceira Revolução Industrial, ou revolução técnico-científica, e de uma globalização capitalista junto com uma nova regionalização que lhe é complementar, isto é, a formação de "blocos" ou mercados regionais. A revolução técnico-científica redefine o mercado de trabalho (esvaziando os setores secundário e primário e ao mesmo tempo exigindo cada vez mais uma mão-de-obra qualificada e flexível) e reorganiza ou (re)produz o espaço geográfico (com novos fatores sendo determinante para a alocação de indústrias: não mais matérias primas e sim telecomunicações e/ou força de trabalho qualificada, dentre outros). Ela é condição indispensável para a globalização na medida em que esta não existe sem as novas tecnologias de informática e de telecomunicações. Ela influi até mesmo na guerra, pois permite a construção de armas "inteligentes", que destroem alvos específicos sem ocasionar matanças indiscriminadas (e são mais precisas que as armas de destruição em massa, o que significa que não é mais necessário o transporte de grande quantidade delas) e torna as informações algo estratégico para a supremacia militar. Esta última deixa de ser ligada ao tamanho da população ou mesmo à quantidade de soldados (existe uma tendência no sentido de haver menos militares, só que com maior qualificação) e passa a depender da economia moderna, da tecnologia avançada.


PARA SABER MAIS: Como sugestões de leituras sobre o tema, indicamos os seguintes livros bastante acessíveis (e que contêm no final uma vasta bibliografia):
- Ascenção e queda das grandes potências, de Paul Kennedy (editora Campus, 1989). Um exaustivo estudo sobre as "grandes potências mundiais" desde o século XVI até o final dos anos 1980. Ele procura mostrar como era a ordem mundial em cada período e dá uma ênfase especial à ordem bipolar de 1945 até 1989-91.
A nova ordem mundial, de José William Vesentini (editora Ática, 1996). Um sucinto texto paradidático sobre as razões da crise da bipolaridade e as características da nova ordem mundial dos anos 1990 e do início do século XXI.
Novas geopolíticas, de José William Vesentini (editora Contexto, 2000). Uma análise crítica sobre as principais representações geopolíticas sobre o mundo pós-guerra fria: o conflito de civilizações, a universalização da democracia liberal, a nova geoestratégia, o mundo visto como caos ou desordem, etc. 
Nova Ordem, Imperialismo e Geopolítica global, de José William Vesentini (editora Papirus, 2003). Um estudo sobre a pertinência (ou não) das categorias imperialismo e império para a ordem internacional do início do século XXI, com novas reflexões sobre as desigualdades internacionais e sobre a uni-multipolaridade das relações de poder no espaço mundial.




3 comentários:

  1. Michel,
    um assunto fora desse.
    Hoje estava lendo um resumo da Africa,e que fiquei muuuuuito revoltada com o que li.
    A população de todo o continente não se revolta com essa situação: um pais extremamente rico em minerais, ou seja, poderia ''governar'' o mundo com suas riquezas e sua população vive abaixo da linha da pobreza e ainda tem a Aids que avassala as pessoas. Não existe um jeito de mudar isto sem acabar na guerra civil, que voce sabe todos os efeitos dessa consequencia? eu particularmente fiquei super revoltada.
    Bárbara, 3°A/Milton de Tolosa

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  2. Olha Bárbara, a questão africana é muito complexa. Já na história da origem destes países temos algumas arbitrariedades, influência européia e acirramento da rivalidade entre algumas etnias. Muitos países da África Possuem uma divisão artificial, não que o restante dos países do mundo também não seja, mas não contemplando territórios de etnias diferentes, juntando em um mesmo território etnias rivais. Estas questões podem não ser mais o motivo real para tantos conflitos, mas é a história da constituição destes países, o pano de fundo de muitos conflitos que hoje têm um caráter político. Em relação às riquezas Africanas, estas são exploradas e garantem a riqueza de poucos pois estão concentradas nas mão de uma minoria. Este modo de produção que privilegia a produção de produtos de exportação em detrimento à produção de alimentos e abastecimento do mercado interno, o que consequentemente leva a fome no continente, é resultado das mudanças feitas durante o imperialismo europeu que além de substituir modos de produção tradicionais africanos, gerou uma dependência econômica sobre esta pauta de exportação, colocando-a acima dos interesses da maioria da população.
    E, se você pensou no governo, estes muitas vezes são ditatoriais, podem estar no poder a décadas, promovem repressão, dão golpes de estado, fraudam eleições, são corruptos e representam os interesses daquela minoria que se enriquece às custas da população. O que resta à população ?
    À morte por fome, miséria, doenças ou a morte na tentativa de mudar. Isso aconteceu em várias partes do mundo em diferentes momentos da história e nem todos os países da África vivem este cenário, mas concordo com você o mundo já evoluiu muito para ainda vermos estas situações revoltantes. Os órgãos internacionais, como a ONU, deveriam ter um papel mais atuante, porém essa atuação pode ferir a soberania dos países e ficam as questões quando, como atuar nestes casos? Creio que isso ainda estamos engatinhando na construção da resposta.

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  3. enormeee o texto, mas eu gostei muito e consegui entender \o/ kkkkkkk

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